domingo, 2 de outubro de 2011

O cordel que foi um encanto de novela

Preconceitos, infelizmente todos temos, e confessando um dos meus, telenovelas. Na minha cabeça, se é telenovela não é bom e assistir consiste em uma grande perda de tempo.
Mas graças a Deus, sempre existem eventos que surgem para negar nossos preconceitos, por mais inocentes e embasados (convenhamos este meu tem fortes e justas bases) que eles possam parecer, e nos mostrar que eles sempre podem fazer com que percamos a oportunidade de conhecer algo bom.
A telenovela, que eu perdi o início, graças ao meu preconceito, Cordel Encantado, foi um exemplo de que as nossas ideias concebidas a priori do conhecimento sempre pode nos levar a perdas.
Comecei assistindo a novela, por acaso quando chegava do trabalho, só a última parte devido ao horário.
Com o tempo, graças a tecnologia disponível nas atuais tralhas tecnológicas presentes em cada item das nossas vidas, antes tão simples, comecei a gravar todos os capítulos, de modo a não perder um único momento da trama.
A novela foi escrita com uma inspiração maravilhosa na nossa Cultura (faço questão do "C" maiúsculo e rejeitar terminantemente o adjetivo popular): a literatura do Cordel, onde também podemos sentir um leva aroma de Ariano Suassuna, o cheiro de Ariano, na minha opinião, sempre esta presente em qualquer coisa relacionada a pura Cultura do Nordeste.
A novela, assim como o cordel se preocupa com o conto, não a precisão dos fatos, pouco importam os detalhes da realidade Newton-Cartesiana.
Respeitar o mecanicismo ,e fácil, não requer inspiração, basta usar matemática, o difícil é ser verdadeiro fora desta realidade comumente percebida. Ser fantástico sem ser mentiroso é uma arte difícil. Ariano é mestre nisso.
O conto precisava de uma corte, com rei e tudo, em uma cidade do interior do sertão, que importância tem se isto pode ser considerado politica ou diplomaticamente impossível? Nenhuma, a corte estava lá.
Quem já viu lojas de roupas finas e confeitarias de fazer inveja a Colombo em uma cidade esquecida no interior do Nordeste na década de 30 (eu que acho isto)? Brogodó tinha, e daí?
E o que dizer dos casos de ressureição? Maravilhosos!
O conto segue leve, agradável, imunizado da sua distância da verdade ideológica pela sua alegria e beleza sonhadoras.
Os atores se mostraram dignos de toda esta fantasia, construindo personagens a altura do texto defendendo-os com força e talento.
O final da novela, coisa que sempre nos decepciona, foi uma saída de mestre. Enquanto as tramas que tentam se aproximar das verdades cotidianas, terminam com passes de mágica dignos dos circos mais decadentes. As autoras trouxeram a trama para a realidade.
Os maus perdem...a batalha. O grande final deixa claro que os problemas e o sofrimento do povo que precisa defender seu dia a dia, inserido em uma matriz de poder legalmente instituído e pouco preocupado com assuntos não relacionados as suas próprias vantagens, não termina. A luta é diária faz parte da vida. Jesuínos sempre precisaram lutar contra Timóteos, Miguezins sempre precisaram alimentar a fé do povo, Herculanos sempre estarão do lado de fora e incomodando a matriz e sempre encontrarão Úrsulas (um toque de Circe?) oferecendo uma vida fácil e prazeirosa, dentro da matriz. Quanto a Patácios e Ternurinhas, meu Deus, como estão tão espalhados por aí.
Por outro lado, Filipes, nobres por fora e por dentro, existem e o povo pode contar com sua fidelidade, também existe nobreza dentro da lei - Doralices. E a vida imita a arte em pelo menos uma coisa: o amor. Os Jesuínos e Assucenas existem sim, se não como descritos no cordel, mas amando tanto quanto as criaturas fantásticas deste conto, exatamente como demostrou o momento final da novela, perfeito, a ficção dentro da ficção, eliminando de vez qualquer chance aos cartesianos.
Parabéns pelo conto, conto que foi realmente um Cordel pela sua forma e Encantado pelo seu conteúdo.
Valeu a pena.