sábado, 26 de fevereiro de 2011

A lua cresce... nos céus

Recebi a carta abaixo e resolvi publicar aqui.

Maravilhoso isto.
É incrível o grande poder que tem o conforto, seja proporcionada pela tecnologia ou por qualquer outra coisa, de nos afastar da nossa humanidade. O sofrimento tem uma capacidade inversa. É interessante quando lembramos que as sabedorias (não as instituições) religiosas nos ensinam que temos dois caminhos para nos encontrarmos com a vida que nos cerca: “dor ou amor”.
Enquanto estamos bem, não lembramos de como somos necessários a tudo que nos cerca e como tudo que nos cerca é fundamental para nós, só usamos e usamos, esquecendo de amar, entendendo amar como a consciência da nossa união com o todo; até que a dor vem, e aí não tem jeito...aprendemos.
O que ele chama de cheiro libertador de lama de enchete não suportado pelo nosso modelo de civilização, caracteriza muito claramente o nosso medo de olharmos o redor. O cheiro da lama está em toda parte, não precisa de enchente. A violência, as doenças, tudo aquilo que nos separa ou nos impede de "aproveitarmos a vida", inodora e brilhante, conceituada pelo nosso modelo de civilização, é cheiro de lama.
Nós infelizmente só tomamos conhecimento quando somos arremessados dentro dela.


Segue a carta de Tião Guerra de Nova Friburgo, a quem agradecemos pelo ensinamento.


A lua cresce no céu de Friburgo

09 de fevereiro de 2011, lentamente a lua volta a crescer no céu de cada um de nós. Assim, mais ou menos de forma direcionada, mantemos nossos movimentos cotidianos externos. Cada um de nós, repletos de memórias densas, importantes e fecundas, lida como pode, no fundo da alma, na noite profunda de nosso interior com a riqueza doída e luminosa de estarmos vivendo ‘estes dias’ de nossas vidas, nestas serras queridas.
Nos últimos dias, algumas pessoas e a mídia em geral têm usado, em nome do desejo de criar uma onda positiva, otimista, uma frase que me dói: “Estamos finalmente voltando ao normal”. Como assim, voltando ao normal? Se o normal é como era antes, não posso aceitar que voltemos a ele. O normal de antes, era feito de muitos interesses separados; seja por grupos sociais e econômicos; seja por grupos de famílias; seja por religiões ou entre pessoas ‘do bem e do mal’. O normal de antes era civilmente muito solitário, era feito de conselhos municipais esvaziados, envelhecidos antes de florescerem; era feito de instituições sociais importantes e maduras, atuando ingenuamente em nossa sociedade. O normal de antes tinha muito pouco tempo para solidariedade, para servir ao outro acima de tudo. E que fique claro, quando falo servir ao outro, não estou dizendo servir ao outro que precisa, que é pobre. Estou falando em construir uma sociedade de tal forma, que não se produza o acúmulo de bens por uns poucos. O normal de antes não tinha tempo para longas, gostosas, profundas e preguiçosas conversas ao redor da mesa de refeições ou na calçada de casa.
Sem dúvida, o normal de antes também tinha práticas de grande valor humano e potencial transformador. MAS...pouco, muito pouco, diante do tamanho da tarefa.
Nestes dias vivemos fora do normal. Ah, com certeza vivemos.
Nestes dias que passamos sem eletricidade, pude reaprender sobre o silêncio de nenhum motor funcionando, de nenhuma rede virtual ativa, de nenhum aparelho áudio visual emitindo estímulos; pude sentar com minha família, amigos e desconhecidos, na penumbra da luz de raras velas, e suspirar sob o sentimento humilde do tamanho dos meus braços, de minha força real de transformação e de ser ajuda. A eletricidade amplia nossa força de atuação e também nos ilude sobre nosso tamanho.
Nestes muitos dias que passamos sem água encanada e potável, pude reaprender sobre tudo que se lava com dois litros d´água(medida das muitas garrafas pet que me chegaram).
Pude conviver com os meus dejetos(urina e fezes) e os de minha grande família, guardados dentro de nossos belos vasos sanitários sem água e sentir a fragilidade e insanidade de nossa civilização que sequer sabe lidar com as fezes a não ser, dando descarga e se esquecendo delas. Pela falta d´água pude aprender os nomes de meus vizinhos, que comigo partilharam a água que tinham.
Nestes dias, no meio da lama fedida, buscando corpos, lavando corpos, enterrando corpos de pessoas amadas, pude aprender sobre o amor. Amor como cuidado; amor como honra ao que vive no outro, seja isto fato presente ou memória. A crueza inesperada das situações que vivemos não poderá ser expressa por palavras jamais, está muito além delas. O sentimento do que vivemos está buscando seus caminhos de expressão. Fiquemos atentos! Agora é tempo de contar histórias sobre o amor que descobrimos; amor cru, desnudo, amor enlameado. Contar muitas histórias entre nós e para outros que aqui não estiveram. Apesar da eletricidade ter voltado; apesar da água potável e encanada ter voltado; apesar de todas as redes virtuais terem voltado. Apesar de todos estes instrumentos mágicos da civilização estarem reestabelecidos, é simplesmente hora de sentar e contarmo-nos histórias, as histórias do amor que descobrimos; debaixo da lama, esta lama fecunda do que poderemos nos tornar.
Nunca mais voltarmos ao normal que era antes é o mínimo de honradez devida aos nossos queridos que se foram. Nunca mais voltarmos ao que era antes é o mínimo de responsabilidade frente a nós mesmos e a todas as crianças que sobreviveram, sobreviveram para o novo.
Nestes dias em que a lua volta a estar no mesmo lugar de um mês atrás, onde estamos nós? O que temos aprendido? Será possível caminharmos sem ingenuidades frente ao modelo de civilização que temos adotado: ele é brilhante, ilusório, desumano, inodoro, definitivamente inodoro. Nosso modelo de civilização não suporta o cheiro libertador de lama de enchente.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Mais uma vez, Nosso Futuro...o que queremos?

O artigo de Leonardo Boff volta a um assunto que está se tornando recorrente, todos falam e todos se dizem muito preocupados com os efeitos das nossas ações depredadoras sobre o planeta.
A sabedoria de Leonardo Boff nos faz pensar claramente nas responsabilidades do governo e principalmente do capital com relação ao futuro do planeta.

Faz-nos pensar também na nossa responsabilidade, cada um de nós individualmente. O que seriam das empresas e do capital sem nós? Que dinheiro eles conseguiriam se não comprássemos seus produtos? O que além do preço e o preenchimento da nossa necessidade nos leva a decidir comprar ou não um produto?

Nos perguntamos onde é feito, que matérias primas utilizam, como tratam seus funcionários?

Podemos começar ainda antes: o que eu necessito? O que eu adquiro apenas por prazer?

Por exemplo, quantos carros nós precisamos e quantos são necessários para preencher o nosso conforto? Nós que temos carros lutamos por um transporte público melhor? Ou simplesmente dizemos: “eu adoraria poder usar ônibus, mas é tão ruim, graças a Deus tenho carro”.

Cada vez que fazemos um churrasco pensamos na área desmatada para produzir tanta carne? Se fizéssemos pratos com carne com certeza além de uma melhor combinação para a nossa saúde também diminuiríamos as áreas desmatadas. O desperdício de um churrasco é um horror!

E viagens? Cada vôo é uma catástrofe ambiental, no entanto estamos cada vez mais lotando aeroportos. E uma viagem de carro?

O interessante é que pressionamos o governo por aeroportos e estradas maiores e melhores. Não pressionamos por uma recuperação da malha férrea. Temos uma das maiores costas do mundo e não utilizamos barcos.

Será que não estaria na hora de pedirmos menos aeorportos, menos estradas e mais transportes de grande capacidade de deslocamento de pessoas, tipo trens, navios, etc?

Com certeza o capital e o governo têm muito a fazer, mas não podemos esquecer que tudo que eles fazem, é usado ou escolhido por nós, democracia é para isso, para dizermos ao governo o que queremos que seja feito, como queremos que a sociedade seja conduzida. E o capital, bem este só faz se dissermos: "faça isso que eu te pago".

Quando lemos ou ouvimos sobre este tema, a primeira coisa que nos vem a mente é: "mas isto é tão óbvio". Este é o grande perigo, quanto maior o óbivio em algo, menos óbvio este algo é.

Não tem outrea saída, teremos que mudar nossa forma de vida, por mais gostosa que ela seja. E mudaremos, só resta saber a força que nos fará mudar: o Amor, ou a Dor.

Por isso a mudança jamais partirá das empresas ou governos, estes são entes incorpóreos, não sentem nem uma coisa nem outra.

A coisa toda está em nossas mãos

Muita Paz,

Thomas.

Texto de Leonardo Boff.


Já existe a lei de responsabilidade fiscal. Um governante não pode gastar mais do que lhe permite o montante dos impostos recolhidos. Isso melhorou significativamente a gestão pública.

O acúmulo de desastres sócio-ambientais ocorridos nos últimos tempos, com desabamentos de encostas, enchentes avassaladoras e centenas de vítimas fatais junto com a destruição de inteiras paisagens, nos obrigam a pensar na instauração de uma lei nacional de responsabilidade sócio-ambiental, com pesadas penas para os que não a respeitarem.


Já se deu um passo com a consciência da responsabilidade social das empresas. Elas não podem pensar somente em si mesmas e nos lucros de seus acionistas. Devem assumir uma clara responsabilidade social. Pois não vivem num mundo a parte: são inseridas numa determinada sociedade, com um Estado que dita leis, se situam num determinado ecossistema e são pressionadas por uma consciência cidadã que cada vez mais cobra o direito à uma boa qualidade de vida.

Mas fique claro: responsabilidade social não é a mesma coisa que obrigação social prevista em lei quanto ao pagamento de impostos, encargos e salários; nem pode ser confundida com a resposta social que é a capacidade das empresas de se adequarem às mudanças no campo social, econômico e técnico. A responsabilidade social é a obrigação que as empresas assumem de buscar metas que, a meio e longo prazo, sejam boas para elas e também para o conjunto da sociedade na qual estão inseridas.

Não se trata de fazer para a sociedade o que seria filantropia, mas com a sociedade, se envolvendo nos projetos elaborados em comum com os municípios, ONGs e outras entidades.
Mas sejamos realistas: num regime neoliberal como o nosso, sempre que os negócios não são tão rentáveis, diminui ou até desaparece a responsabilidade social. O maior inimigo da responsabilidade social é o capital especulativo. Seu objetivo é maximizar os lucros das carteiras e portofólios que controlam. Não vêem outra responsabilidade, senão a de garantir ganhos.


Mas a responsabilidade social é insuficiente, pois ela não inclui o ambiental. São poucos os que perceberam a relação do social com o ambiental. Ela é intrínseca. Todas empresas e cada um de nós vivemos no chão, não nas nuvens: respiramos, comemos, bebemos, pisamos os solos, estamos expostos à mudanças dos climas, mergulhados na natureza com sua biodiversidade, somos habitados por bilhões de bactérias e outros microorganismos. Quer dizer, estamos dentro da natureza e somos parte dela. Ela pode viver sem nós como o fez por bilhões de anos. Nós não podemos viver sem ela. Portanto, o social sem o ambiental é irreal. Ambos vêm sempre juntos.

Isso que parece óbvio, não o é para a grande parte das pessoas. Por que excluímos a natureza? Porque somos todos antropocêntricos, quer dizer, pensamos apenas em nós próprios. A natureza é exterior, posta ao nosso bel-prazer.


Somos irresponsáveis face à natureza quando desmatamos, jogamos bilhões e litros de agrotóxicos no solo, lançamos na atmosfera, anualmente, cerca de 21 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa, contaminamos as águas, destruímos a mata ciliar, não respeitamos o declive das montanhas que podem desmoronar e matar pessoas nem observamos o curso dos rios que nas enchentes podem levar tudo de roldão.


Não interiorizamos os dados que biólogos e astrofísicos nos asseguram: Todos possuímos o mesmo alfabeto genético de base, por isso somos todos primos e irmãos e irmãs e formamos assim a comunidade de vida. Cada ser possui valor intrínseco e por isso tem direitos. Nossa democracia não pode incluir apenas os seres humanos. Sem os outros membros da comunidade de vida, não somos nada. Eles valem como novos cidadãos que devem ser incorporados na nossa compreensão de democracia que então passa a ser uma democracia sócio-ambiental. A natureza e as coisas dão-nos sinais. Elas nos chamam atenção para os eventuais riscos que podemos evitar.
Não basta a responsabilidade social, ela deve ser sócio-ambiental. É urgente que o Parlamento vote uma lei de responsabilidade sócio-ambiental imposta a todos os gestores da coisa pública. Só assim evitaremos tragédias e mortes.


Leonardo Boff é Filósofo e Teólogo
EcoDebate, 24/01/2011