domingo, 2 de outubro de 2011

O cordel que foi um encanto de novela

Preconceitos, infelizmente todos temos, e confessando um dos meus, telenovelas. Na minha cabeça, se é telenovela não é bom e assistir consiste em uma grande perda de tempo.
Mas graças a Deus, sempre existem eventos que surgem para negar nossos preconceitos, por mais inocentes e embasados (convenhamos este meu tem fortes e justas bases) que eles possam parecer, e nos mostrar que eles sempre podem fazer com que percamos a oportunidade de conhecer algo bom.
A telenovela, que eu perdi o início, graças ao meu preconceito, Cordel Encantado, foi um exemplo de que as nossas ideias concebidas a priori do conhecimento sempre pode nos levar a perdas.
Comecei assistindo a novela, por acaso quando chegava do trabalho, só a última parte devido ao horário.
Com o tempo, graças a tecnologia disponível nas atuais tralhas tecnológicas presentes em cada item das nossas vidas, antes tão simples, comecei a gravar todos os capítulos, de modo a não perder um único momento da trama.
A novela foi escrita com uma inspiração maravilhosa na nossa Cultura (faço questão do "C" maiúsculo e rejeitar terminantemente o adjetivo popular): a literatura do Cordel, onde também podemos sentir um leva aroma de Ariano Suassuna, o cheiro de Ariano, na minha opinião, sempre esta presente em qualquer coisa relacionada a pura Cultura do Nordeste.
A novela, assim como o cordel se preocupa com o conto, não a precisão dos fatos, pouco importam os detalhes da realidade Newton-Cartesiana.
Respeitar o mecanicismo ,e fácil, não requer inspiração, basta usar matemática, o difícil é ser verdadeiro fora desta realidade comumente percebida. Ser fantástico sem ser mentiroso é uma arte difícil. Ariano é mestre nisso.
O conto precisava de uma corte, com rei e tudo, em uma cidade do interior do sertão, que importância tem se isto pode ser considerado politica ou diplomaticamente impossível? Nenhuma, a corte estava lá.
Quem já viu lojas de roupas finas e confeitarias de fazer inveja a Colombo em uma cidade esquecida no interior do Nordeste na década de 30 (eu que acho isto)? Brogodó tinha, e daí?
E o que dizer dos casos de ressureição? Maravilhosos!
O conto segue leve, agradável, imunizado da sua distância da verdade ideológica pela sua alegria e beleza sonhadoras.
Os atores se mostraram dignos de toda esta fantasia, construindo personagens a altura do texto defendendo-os com força e talento.
O final da novela, coisa que sempre nos decepciona, foi uma saída de mestre. Enquanto as tramas que tentam se aproximar das verdades cotidianas, terminam com passes de mágica dignos dos circos mais decadentes. As autoras trouxeram a trama para a realidade.
Os maus perdem...a batalha. O grande final deixa claro que os problemas e o sofrimento do povo que precisa defender seu dia a dia, inserido em uma matriz de poder legalmente instituído e pouco preocupado com assuntos não relacionados as suas próprias vantagens, não termina. A luta é diária faz parte da vida. Jesuínos sempre precisaram lutar contra Timóteos, Miguezins sempre precisaram alimentar a fé do povo, Herculanos sempre estarão do lado de fora e incomodando a matriz e sempre encontrarão Úrsulas (um toque de Circe?) oferecendo uma vida fácil e prazeirosa, dentro da matriz. Quanto a Patácios e Ternurinhas, meu Deus, como estão tão espalhados por aí.
Por outro lado, Filipes, nobres por fora e por dentro, existem e o povo pode contar com sua fidelidade, também existe nobreza dentro da lei - Doralices. E a vida imita a arte em pelo menos uma coisa: o amor. Os Jesuínos e Assucenas existem sim, se não como descritos no cordel, mas amando tanto quanto as criaturas fantásticas deste conto, exatamente como demostrou o momento final da novela, perfeito, a ficção dentro da ficção, eliminando de vez qualquer chance aos cartesianos.
Parabéns pelo conto, conto que foi realmente um Cordel pela sua forma e Encantado pelo seu conteúdo.
Valeu a pena.

domingo, 18 de setembro de 2011

PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FLORES

Em reportagem de hoje a FOLHA trás uma matéria sobre um procurador que afirmou: “Bandido que dá tiro para matar tem que tomar tiro para morrer.”.
Os bandidos estão por aí matando indiscriminadamente pessoas que trabalham todos os dias, que não possuem, e nem sabem usar, armas. Pessoas que são simplesmente orientadas para não reagir, entregar o que conseguiram com esforço a estes elementos que odeiam o trabalho e o mérito. Que ainda tem a pachorra de dizer: “cadê meu dinheiro?”.
Não me parece possível enfrentar estes elementos com diálogo e delicadeza. A única maneira de enfrentá-los é utilizando de uma violência ainda maior, a violência é a única língua que eles conhecem, e só alguém igual ou superiormente armado, reconhecem como inimigo a sua altura.
A formação do estado tem como princípio dar segurança e paz a população, para isto o povo deu ao estado uma procuração: a exclusividade do uso da violência para proteger a população.
O mínimo que esta população pode esperar é que o estado use este poder quando necessário para protegê-la. Condenar a ação violenta do estado quando esta se faz necessária é dizer para a população que ela não mais pode contar com a força do estado.
Ora, as pessoas precisam se defender de ataque de inimigos se a entidade a quem confiamos isto não mais o faz, nós teremos que fazer.
Se a polícia não atira em bandidos, quem vai fazê-lo, nós mesmos?
Condenar a polícia por matar bandido é propor que se rasgue a procuração dada ao estado e que assumamos nós mesmos a nossa defesa. Defender tal coisa é defender o retorno a idade da pedra, a lei do mais forte, o caos, o fim da sociedade.
Polícia tem que atirar em bandido sim e só se atira para matar. Caridade com os bandidos que morrem; sim devemos ter, levemos flores para seus túmulos.
Parabéns ao procurador do 5° Tribunal do Júri de São Paulo.

terça-feira, 19 de abril de 2011

FÉRIAS - CAPADOKIA

Dia 7! Chegamos a Capadokia.
A Capadokia é uma região central da Turquia asiática. A Turquia asiática é chamada de Anatólia , ou seja a Capadokia fica na Anatólia Central.
A razão principal para se ir a Capadókia são suas exóticas formações rochosas. As montanhas deste região são formadas por dois tipos de rocha, a tufa, mole e o basalto, mais duro.
Este tipo geológico originou-se pelo depósito de erupções vulcânicas há milhares de anos, primeiro, ocorreu a deposição de lavas que deram origem a tufa, depois a deposição das cinzas sobre a Tufa formou o basalto.
O Resultado é ter-se uma formação, mole e fácil de cavar protegida por uma camada mais dura.
O efeito da erosão por conta de chuvas, muito mais intensas na época, ventos e diferenças de temperatura, dividiu a placa composta de tufa e basalto, formando montanhas, não muito altas, de tufa mole, em seus flancos e um "capacete" de basalto duro.
Desta forma os povos antigos da região descobriram ser mais fácil cavar estas montanhas e aí morar, que construir casas.
Chegamos em Navishair por volta das 17:00 hs, Navishair é a cidade principal da região, de lá fomos de carro para a cidade de Urgup onde ficava nosso hotel.
Durante o percurso, conversando com o guia soubemos que havia tempo para assistirmos a uma apresentação da Dança de Giro dos Dervixes.
A apresentação acontece em uma espécie de fortaleza, muito antiga, utilizada naqueles tempos como apoio as caravanas de camelos. O local é belíssimo.
A dança dos dervixes é um ritual sagrado, onde os adeptos, giram em torno do próprio corpo, em um estado de transe para comunicar-se com o sagrado. Eles iniciam o giro com as mãos cruzadas sobre o peito, simbolizando a unidade de Alá, e depois assumem uma posição com os braços abertos mantendo a mão direita para cima, recebendo as bênçãos dos Céus e a mão esquerda para baixo para baixo transmitindo estas bênçãos para a Terra. Uma maravilha de se ver.
No dia seguinte, dia 8 , foi o nosso passeio pela região. Iniciamos vendo as formações rochosas, com direito a foto sobre camelo, depois fomos conhecer o museu aberto de Goreme. O museu aberto é uma área dotada de várias igrejas (capelas no nosso conceito) cavadas nas montanhas típicas da região. As igrejas são ortodoxas e por isso têm as paredes pintadas com imagens de santos, estas imagens de santos são chamadas de ícones. Muitos deste ícones estão em um excelente estado de conservação. Fomos ainda a uma outra igreja, cavada na rocha, fora do museu aberto, esta sim igreja mesmo, muito impressionante pela profundidade, são várias salas, todas decoradas com ícones muito conservados. Uma maravilha.
Na tarde deste mesmo dia, fomos a uma cidade subterrânea, também escavada nestas montanhas, é impressionante a quantidade de salas subseqüentes, que eram escavadas pelos antigos, uma espécie de cidade mesmo, estas não eram habitadas, apenas utilizadas como esconderijos em caso de invasões, eles aproveitavam o mesmo tipo de formação para fazer o sistema de ventilação, espécie de chaminés.
A Capadokia, realmente mostra um forma muitíssimo especial e única de geologia, geografia e modo de vida, vale muito a pena conhecer e retornar.
As noites não são muito movimentadas, mas a cidade de Urgup oferece excelentes restaurantes com bons preços, tudo por aqui é mais barato que Istanbul. Muito nos marcou o restaurante Zig, quase vizinho do nosso hotel. É um restaurante de cozinha internacional, mais focado na comida da região e pratos com massa. O restaurante é de uma decoração lindíssima, a comida é excelente e a inspiração do dono veio de seu cachorro, um Yorshire marrom, chamado Zig. No restaurante pode-se ver fotos do Zig.
Para o dia seguinte, dia 9, tínhamos agendado um passeio de balão sobre a região, um turismo muito praticado por aqui, o dia amanheceu ventando e o passeio foi cancelado. Uma razão para termos que retornar a este lugar tão maravilhoso. Aproveitamos o dia para andarmos pela região, subindo em locais elevados de onde se tinha uma maravilhosa vista e, é claro, aproveitamos para tomar cerveja na praça. Uma maravilha! Ah! Já ia esquecendo, neste dia cortei o cabelo em uma barbearia local, nunca vi serviço semelhante, até massagem no pescoço estava incluído, fantástico!
No dia seguinte, dia 10, pegamos o avião para Moscou.

domingo, 17 de abril de 2011

FÉRIAS - ISTANBUL

Chegamos a Istanbul, no domingo dia 3, depois de um vôo Salvador São Paulo, outro São Paulo Londres e finalmente Londres Istanbul, computamos um total de 30 horas desde sairmos de casa até entrarmos no hotel.
Istambul é dividia em três partes, duas na Europa, separadas por um longo braço de mar chamado "Chifre de Ouro", e uma parte na Ásia.
A parte européia ao sul do chifre é a parte antiga, onde era a cidade de Constantinopla. Ao norte do chifre está a chamada parte nova.
O clima em Istanbul, esteve todo tempo frio e nublado, mas sem chuvas; com exceção de hoje que esquentou bastante, depois de meio dia, e o sol mostrou finalmente a cara
O Hotel Eressim, onde ficamos, localiza-se na parte nova próximo a uma praça famosa e movimentada com transporte para todos os locais da cidade, Praça Taksin. O salão de café do hotel fica no topo do edifício e oferece uma linda vista da cidade, como estamos na parte nova vemos os minaretes das maiores mesquitas ao longe.
Saindo da praça Taksin há uma rua apenas para pedestres. Nesta rua encontram-se uma série de restaurantes e bares, além de lojas de todos os tipos. A rua é extremamente movimentada, lotada de turcos e turistas. O dia inteiro ela é agitada e a noite ferve, mesmo no domingo a noite.
No domingo em que chegamos, andamos por esta rua, jantamos quase a meia noite e finalmente fomos dormir.
No dia 4, segunda feira não tínhamos programa de turismo, então andamos pela cidade, lembrando antigos pontos que já tínhamos visto na primeira vez que aqui estivemos e conhecendo novas coisas.
Uma das coisas que mais nos chamou a atenção foi a evolução da cidade neste período de aproximadamente 18 anos. A cidade está muito moderna, com um sistema de transporte, dotado de metro, tramways, funiculares (bondinhos) e ônibus muito funcional, não utilizamos taxi uma vez sequer. Descobrimos que até ao aeroporto se chega facilmente utilizando o transporte público. Istanbul é uma cidade segura, onde as pessoas caminham à noite e sentam-se em bancos ao longo da margem do estreito de Bósforo, sem se preocuparem com assaltos.
Como não poderia deixar de ser, neste dia fizemos compras (Istanbul pode ser excelente para as compras desde que você encontre os lugares certos, e nós encontramos), almoçamos na rua, andamos por diversas ruelas, fomos ao Grand Bazar, onde não se deve comprar nada (tudo lá é o dobro do preço, quem é bom de barganha pode encarar), mas imperdível de andar pelos diversos corredores, cheio de lojas de todos os tipos.
No dia 5 tivemos um passeio de barco pelo Bósforo, infelizmente o frio não permitiu que andássemos no andar superior e aberto. O passeio é muito bonito e pode-se ver as fachadas e vários palácios, castelos e mansões que ficam na beira do estreito. Ao fundo estão sempre os minaretes, que se constituem em excelentes pontos de referência para deslocamento na cidade. Não são permitidos arranha-céus na parte velha de Istanbul.
No dia 5 fizemos um passeio de dia inteiro, sendo, pela manhã de barco pelo estreito de Bósforo, que separa a parte asiática da parte européia de Istanbul, a única cidade do mundo que ocupa dois continentes.
O Bósforo é super interessante, ele liga o mar de Mármara ao mar Negro, tem uma corrente na parte superior que se desloca do Negro para o Mármara e uma outra pelo fundo que faz o sentido inverso. A corrente superior deve-se a uma pequena diferença de altura entre o Negro, mais alto e o Mármara, mais baixo ; a corrente inferior ocorre devido a uma diferença de salinidade e temperatura que são maiores no Mármara. Não há marés no Bósforo, tem sempre o mesmo nível.
O Bósforo não é muito largo, no máximo uns 5 km, de um lado avista-se o outro com facilidade.
O Bósforo é ladeado por mansões, palácios e castelos/fortalezas. É a região mais valorizada de Istanbul e de toda a Turquia.
Na tarde do mesmo dia fizemos um passeio na parte Asiática, visitando a colina mais alta de Istanbul, de onde se avista toda a parte Européia e o paliteiro de minaretes, Istanbul tem, estima-se, 3 mil mesquitas. Visitamos também o palácio de verão dos Sultões. Os palácios, aqui, e este não escapa, são luxuosíssimos, surpreendente é saber que um palácio daquele era utilizado apenas uma ou duas semanas por ano. Quando vemos estas coisas entendemos porque os reis foram derrubados.
No dia 6 fomos ao palácio Dolmabache, um dos grandes palácios de Istanbul, é um luxo impensável, as colunas suporte dos corrimões são de cristal, a quantidade de lustres é impensável, o maior lustre do palácio pesa somente 4.500 kg, su limpeza é feita a cada 5 ou 6 anos e leva 4 meses para limpar, os tapetes originais, que não podem ser pisados, há um tapete "corredor" por cima são de desenhos maravilhosos, os tetos são todos pintados, o teto da sala principal onde está o lustre colossal é 16 m.
Ainda neste dia fizemos um passeio de ônibus aberto fazendo um percurso em torno da cidade, descemos em um mercado de peixe onde almoçamos, peixe é claro.
A noite fomos para a rua de pedestre próximo a praça Taxim, entramos em um bar onde ficamos bebericando e olhando o movimento, eu tomei a bebida nacional deles o tal do Raki, é gostoso, se bebe misturado com água. A bebida que é incolor ao se misturar com água torna-se branca leitosa, por isso tem o apelido de Leite de Leão. Fomos dormir tarde.
No dia 7, último dia em Istanbul, acordamos tarde, durante a manhã andamos pelos arredores, visitando alguma ruas que não tínhamos passado, almoçamos no hotel e esperamos o transfer para o aeroporto, rumo a Capadokia.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

A lua cresce... nos céus

Recebi a carta abaixo e resolvi publicar aqui.

Maravilhoso isto.
É incrível o grande poder que tem o conforto, seja proporcionada pela tecnologia ou por qualquer outra coisa, de nos afastar da nossa humanidade. O sofrimento tem uma capacidade inversa. É interessante quando lembramos que as sabedorias (não as instituições) religiosas nos ensinam que temos dois caminhos para nos encontrarmos com a vida que nos cerca: “dor ou amor”.
Enquanto estamos bem, não lembramos de como somos necessários a tudo que nos cerca e como tudo que nos cerca é fundamental para nós, só usamos e usamos, esquecendo de amar, entendendo amar como a consciência da nossa união com o todo; até que a dor vem, e aí não tem jeito...aprendemos.
O que ele chama de cheiro libertador de lama de enchete não suportado pelo nosso modelo de civilização, caracteriza muito claramente o nosso medo de olharmos o redor. O cheiro da lama está em toda parte, não precisa de enchente. A violência, as doenças, tudo aquilo que nos separa ou nos impede de "aproveitarmos a vida", inodora e brilhante, conceituada pelo nosso modelo de civilização, é cheiro de lama.
Nós infelizmente só tomamos conhecimento quando somos arremessados dentro dela.


Segue a carta de Tião Guerra de Nova Friburgo, a quem agradecemos pelo ensinamento.


A lua cresce no céu de Friburgo

09 de fevereiro de 2011, lentamente a lua volta a crescer no céu de cada um de nós. Assim, mais ou menos de forma direcionada, mantemos nossos movimentos cotidianos externos. Cada um de nós, repletos de memórias densas, importantes e fecundas, lida como pode, no fundo da alma, na noite profunda de nosso interior com a riqueza doída e luminosa de estarmos vivendo ‘estes dias’ de nossas vidas, nestas serras queridas.
Nos últimos dias, algumas pessoas e a mídia em geral têm usado, em nome do desejo de criar uma onda positiva, otimista, uma frase que me dói: “Estamos finalmente voltando ao normal”. Como assim, voltando ao normal? Se o normal é como era antes, não posso aceitar que voltemos a ele. O normal de antes, era feito de muitos interesses separados; seja por grupos sociais e econômicos; seja por grupos de famílias; seja por religiões ou entre pessoas ‘do bem e do mal’. O normal de antes era civilmente muito solitário, era feito de conselhos municipais esvaziados, envelhecidos antes de florescerem; era feito de instituições sociais importantes e maduras, atuando ingenuamente em nossa sociedade. O normal de antes tinha muito pouco tempo para solidariedade, para servir ao outro acima de tudo. E que fique claro, quando falo servir ao outro, não estou dizendo servir ao outro que precisa, que é pobre. Estou falando em construir uma sociedade de tal forma, que não se produza o acúmulo de bens por uns poucos. O normal de antes não tinha tempo para longas, gostosas, profundas e preguiçosas conversas ao redor da mesa de refeições ou na calçada de casa.
Sem dúvida, o normal de antes também tinha práticas de grande valor humano e potencial transformador. MAS...pouco, muito pouco, diante do tamanho da tarefa.
Nestes dias vivemos fora do normal. Ah, com certeza vivemos.
Nestes dias que passamos sem eletricidade, pude reaprender sobre o silêncio de nenhum motor funcionando, de nenhuma rede virtual ativa, de nenhum aparelho áudio visual emitindo estímulos; pude sentar com minha família, amigos e desconhecidos, na penumbra da luz de raras velas, e suspirar sob o sentimento humilde do tamanho dos meus braços, de minha força real de transformação e de ser ajuda. A eletricidade amplia nossa força de atuação e também nos ilude sobre nosso tamanho.
Nestes muitos dias que passamos sem água encanada e potável, pude reaprender sobre tudo que se lava com dois litros d´água(medida das muitas garrafas pet que me chegaram).
Pude conviver com os meus dejetos(urina e fezes) e os de minha grande família, guardados dentro de nossos belos vasos sanitários sem água e sentir a fragilidade e insanidade de nossa civilização que sequer sabe lidar com as fezes a não ser, dando descarga e se esquecendo delas. Pela falta d´água pude aprender os nomes de meus vizinhos, que comigo partilharam a água que tinham.
Nestes dias, no meio da lama fedida, buscando corpos, lavando corpos, enterrando corpos de pessoas amadas, pude aprender sobre o amor. Amor como cuidado; amor como honra ao que vive no outro, seja isto fato presente ou memória. A crueza inesperada das situações que vivemos não poderá ser expressa por palavras jamais, está muito além delas. O sentimento do que vivemos está buscando seus caminhos de expressão. Fiquemos atentos! Agora é tempo de contar histórias sobre o amor que descobrimos; amor cru, desnudo, amor enlameado. Contar muitas histórias entre nós e para outros que aqui não estiveram. Apesar da eletricidade ter voltado; apesar da água potável e encanada ter voltado; apesar de todas as redes virtuais terem voltado. Apesar de todos estes instrumentos mágicos da civilização estarem reestabelecidos, é simplesmente hora de sentar e contarmo-nos histórias, as histórias do amor que descobrimos; debaixo da lama, esta lama fecunda do que poderemos nos tornar.
Nunca mais voltarmos ao normal que era antes é o mínimo de honradez devida aos nossos queridos que se foram. Nunca mais voltarmos ao que era antes é o mínimo de responsabilidade frente a nós mesmos e a todas as crianças que sobreviveram, sobreviveram para o novo.
Nestes dias em que a lua volta a estar no mesmo lugar de um mês atrás, onde estamos nós? O que temos aprendido? Será possível caminharmos sem ingenuidades frente ao modelo de civilização que temos adotado: ele é brilhante, ilusório, desumano, inodoro, definitivamente inodoro. Nosso modelo de civilização não suporta o cheiro libertador de lama de enchente.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Mais uma vez, Nosso Futuro...o que queremos?

O artigo de Leonardo Boff volta a um assunto que está se tornando recorrente, todos falam e todos se dizem muito preocupados com os efeitos das nossas ações depredadoras sobre o planeta.
A sabedoria de Leonardo Boff nos faz pensar claramente nas responsabilidades do governo e principalmente do capital com relação ao futuro do planeta.

Faz-nos pensar também na nossa responsabilidade, cada um de nós individualmente. O que seriam das empresas e do capital sem nós? Que dinheiro eles conseguiriam se não comprássemos seus produtos? O que além do preço e o preenchimento da nossa necessidade nos leva a decidir comprar ou não um produto?

Nos perguntamos onde é feito, que matérias primas utilizam, como tratam seus funcionários?

Podemos começar ainda antes: o que eu necessito? O que eu adquiro apenas por prazer?

Por exemplo, quantos carros nós precisamos e quantos são necessários para preencher o nosso conforto? Nós que temos carros lutamos por um transporte público melhor? Ou simplesmente dizemos: “eu adoraria poder usar ônibus, mas é tão ruim, graças a Deus tenho carro”.

Cada vez que fazemos um churrasco pensamos na área desmatada para produzir tanta carne? Se fizéssemos pratos com carne com certeza além de uma melhor combinação para a nossa saúde também diminuiríamos as áreas desmatadas. O desperdício de um churrasco é um horror!

E viagens? Cada vôo é uma catástrofe ambiental, no entanto estamos cada vez mais lotando aeroportos. E uma viagem de carro?

O interessante é que pressionamos o governo por aeroportos e estradas maiores e melhores. Não pressionamos por uma recuperação da malha férrea. Temos uma das maiores costas do mundo e não utilizamos barcos.

Será que não estaria na hora de pedirmos menos aeorportos, menos estradas e mais transportes de grande capacidade de deslocamento de pessoas, tipo trens, navios, etc?

Com certeza o capital e o governo têm muito a fazer, mas não podemos esquecer que tudo que eles fazem, é usado ou escolhido por nós, democracia é para isso, para dizermos ao governo o que queremos que seja feito, como queremos que a sociedade seja conduzida. E o capital, bem este só faz se dissermos: "faça isso que eu te pago".

Quando lemos ou ouvimos sobre este tema, a primeira coisa que nos vem a mente é: "mas isto é tão óbvio". Este é o grande perigo, quanto maior o óbivio em algo, menos óbvio este algo é.

Não tem outrea saída, teremos que mudar nossa forma de vida, por mais gostosa que ela seja. E mudaremos, só resta saber a força que nos fará mudar: o Amor, ou a Dor.

Por isso a mudança jamais partirá das empresas ou governos, estes são entes incorpóreos, não sentem nem uma coisa nem outra.

A coisa toda está em nossas mãos

Muita Paz,

Thomas.

Texto de Leonardo Boff.


Já existe a lei de responsabilidade fiscal. Um governante não pode gastar mais do que lhe permite o montante dos impostos recolhidos. Isso melhorou significativamente a gestão pública.

O acúmulo de desastres sócio-ambientais ocorridos nos últimos tempos, com desabamentos de encostas, enchentes avassaladoras e centenas de vítimas fatais junto com a destruição de inteiras paisagens, nos obrigam a pensar na instauração de uma lei nacional de responsabilidade sócio-ambiental, com pesadas penas para os que não a respeitarem.


Já se deu um passo com a consciência da responsabilidade social das empresas. Elas não podem pensar somente em si mesmas e nos lucros de seus acionistas. Devem assumir uma clara responsabilidade social. Pois não vivem num mundo a parte: são inseridas numa determinada sociedade, com um Estado que dita leis, se situam num determinado ecossistema e são pressionadas por uma consciência cidadã que cada vez mais cobra o direito à uma boa qualidade de vida.

Mas fique claro: responsabilidade social não é a mesma coisa que obrigação social prevista em lei quanto ao pagamento de impostos, encargos e salários; nem pode ser confundida com a resposta social que é a capacidade das empresas de se adequarem às mudanças no campo social, econômico e técnico. A responsabilidade social é a obrigação que as empresas assumem de buscar metas que, a meio e longo prazo, sejam boas para elas e também para o conjunto da sociedade na qual estão inseridas.

Não se trata de fazer para a sociedade o que seria filantropia, mas com a sociedade, se envolvendo nos projetos elaborados em comum com os municípios, ONGs e outras entidades.
Mas sejamos realistas: num regime neoliberal como o nosso, sempre que os negócios não são tão rentáveis, diminui ou até desaparece a responsabilidade social. O maior inimigo da responsabilidade social é o capital especulativo. Seu objetivo é maximizar os lucros das carteiras e portofólios que controlam. Não vêem outra responsabilidade, senão a de garantir ganhos.


Mas a responsabilidade social é insuficiente, pois ela não inclui o ambiental. São poucos os que perceberam a relação do social com o ambiental. Ela é intrínseca. Todas empresas e cada um de nós vivemos no chão, não nas nuvens: respiramos, comemos, bebemos, pisamos os solos, estamos expostos à mudanças dos climas, mergulhados na natureza com sua biodiversidade, somos habitados por bilhões de bactérias e outros microorganismos. Quer dizer, estamos dentro da natureza e somos parte dela. Ela pode viver sem nós como o fez por bilhões de anos. Nós não podemos viver sem ela. Portanto, o social sem o ambiental é irreal. Ambos vêm sempre juntos.

Isso que parece óbvio, não o é para a grande parte das pessoas. Por que excluímos a natureza? Porque somos todos antropocêntricos, quer dizer, pensamos apenas em nós próprios. A natureza é exterior, posta ao nosso bel-prazer.


Somos irresponsáveis face à natureza quando desmatamos, jogamos bilhões e litros de agrotóxicos no solo, lançamos na atmosfera, anualmente, cerca de 21 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa, contaminamos as águas, destruímos a mata ciliar, não respeitamos o declive das montanhas que podem desmoronar e matar pessoas nem observamos o curso dos rios que nas enchentes podem levar tudo de roldão.


Não interiorizamos os dados que biólogos e astrofísicos nos asseguram: Todos possuímos o mesmo alfabeto genético de base, por isso somos todos primos e irmãos e irmãs e formamos assim a comunidade de vida. Cada ser possui valor intrínseco e por isso tem direitos. Nossa democracia não pode incluir apenas os seres humanos. Sem os outros membros da comunidade de vida, não somos nada. Eles valem como novos cidadãos que devem ser incorporados na nossa compreensão de democracia que então passa a ser uma democracia sócio-ambiental. A natureza e as coisas dão-nos sinais. Elas nos chamam atenção para os eventuais riscos que podemos evitar.
Não basta a responsabilidade social, ela deve ser sócio-ambiental. É urgente que o Parlamento vote uma lei de responsabilidade sócio-ambiental imposta a todos os gestores da coisa pública. Só assim evitaremos tragédias e mortes.


Leonardo Boff é Filósofo e Teólogo
EcoDebate, 24/01/2011