segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Crime e Castigo ... e Democracia

O estudante Raskólnikov, mata intencional e premeditadamente a usurária Aliena Ivánovna, e como conseqüência, por ter-se tornado a única testemunha do crime, a sua irmã Lisavieta Ivanóvna.
Depois de pensar sobre quem era Aliena Ivánovna, Raskólnikov conclui ser ela, um mal a sociedade. A sua forma de ganhar dinheiro simplesmente explorando a necessidade de dinheiro dos outros impedia estes outros se desenvolverem por conta das dívidas com Aliena, aliado a isto, Aliena nada fazia com o dinheiro ganho além de juntá-lo, após sua morte seria doado a um mosteiro a fim de garantir sua entrada no céu.
Raskólnikov se questiona sobre a definição de crime e suas dimensões.
Sendo crime a desobediência às leis ou desvios das atitudes esperadas pelos padrões estabelecidos, Raskólnikov entende que mudanças só são possíveis por meio do crime. As grandes mudanças na história teriam sido obras de criminosos, todos os grandes homens que mudaram o rumo da história seriam criminosos, o mundo só evoluíra por conta deles.
As sociedades funcionam graças ao grupo de pessoas que obedecem as leis e cumpre o modelo, mas só mudam graças a quem desobedece, quem cria um novo modelo rasgando o existente.
Neste contexto, matar uma velha usurária ou empreender uma guerra contra um regime, entendido como explorador da miséria do povo, é uma questão de escala, em ambos os casos, estamos livrando a sociedade de um mal a que ela se entrega por submissão. Quanto a pobre Lisavieta, bem, sempre alguns inocentes terminam atropelados pelo turbilhão das mudanças.
Evidentemente há uma grande confusão de verdade e absurdo nesta idéia. Por um lado temos que reprimir o crime porque ele destruiria a sociedade, por outro lhe somos gratos por evoluirmos.
Este pensamento descrito por Dostoiévski em 1866, fundamenta-se bem em uma época que o totalitarismo dos governos convivia com a capacidade crítica do pensamento liberada pelo iluminismo.
Nos regimes de governo então existentes pensar em mudar já era um crime. Querer mudanças significava não estar de acordo com a vontade do Rei, se as pessoas podem querer mudar podem querer mudar o Rei, o que era obviamente inaceitável.
Muitos crimes, reprimidos e acolhidos, foram cometidos ao longo da nossa história na nossa trajetória humana. Muitos dos nossos heróis e santos foram condenados pelos regimes em vigor por defenderem os seus sonhos e serem sementes da liberdade que desfrutamos hoje. Podemos incluir aí Tiradentes, Frei Caneca, Gandhi, Luther King, etc. e até Jesus.
Por outro lado temos também revolucionários que se tornaram simbólicos inimigos da liberdade: Hitler, Napoleão, Stalin, etc.
Parece que temos que escolher entre a submissão ao poder ou nos arriscarmos em uma aventura atrás da liberdade. Entre o poder e a liberdade estará sempre o crime e a sombra do castigo?
Depois de muitos crimes e castigos parece que a nossa sociedade encontrou uma síntese, a democracia. Teoricamente a democracia permite que o poder seja mudado para atender as necessidades e interesses da sociedade sem a aventura do crime e castigo.
Com a democracia, a sociedade no ato de escolher quem lhe governa e quem lhe representa, impõem-se ao estado, ou seja, primeiro a sociedade, depois o estado. A sociedade define o estado e não o contrário.
A nossa humanidade está longe, muito longe de um estágio evolutivo que lhe permita abrir mão do estado, não adianta nos enganarmos precisamos do Leviatã, em assim sendo não existe sistema melhor que a democracia, se um regime democrático é ruim, qualquer coisa diferente é pior.
A democracia pertence a sociedade, não aos representantes circunstanciais, por isso a sociedade é sua guardiã. É muito mais fácil, para quem está no poder, governar sem democracia.
As democracias existentes não são democracias plenas, quem chega ao poder esquece que são membros da sociedade antes de serem detentores do poder circunstancial. Daí a necessidade e obrigação da sociedade sempre proteger a democracia.
O grande crime contra a democracia não é um governante temporário tentar um golpe e eternizar-se no poder, o grande crime contra a democracia é a sociedade que comete, é não protegê-la, deixá-la frágil e vulnerável aos golpistas de plantão.
Não proteger a democracia é agir contra a democracia, agir contra a sociedade inteira, jogar fora a soma de aprendizagem acumulada à custa de muito sofrimento ao longo da história. Não proteger a democracia é um crime independente de filosofia.
O crime contra a democracia é sempre castigado, seu assassino, a sociedade negligente, é sempre duramente punida
A democracia precisa de vontade da sociedade para existir, daí não consegue sobreviver em uma sociedade onde a maioria é excluída, pensemos nisso antes de condenarmos os programas sociais.
A democracia não resiste a displicência do seu dono: a sociedade, pensemos nisso antes de nos ausentarmos dos debates políticos e de esquecermos de acompanhar as ações dos representantes que escolhemos.
A democracia nunca é culpada, é sempre vítima, pensemos nisso antes de darmos "votos de protesto" contra a classe política, a democracia não pertence a ela.
O oxigênio da democracia é o voto, lembremos disso cada vez que desperdiçamos o dever de votar.
Estamos começando uma nova fase da democracia brasileira, estamos nos consolidando cada vez mais como uma sociedade democrática, é mais que hora de defendermos este legado.
Quanto mais forte fica uma democracia, mais o povo é responsável por defendê-la, afinal deu muito trabalho construí-la.

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