terça-feira, 9 de novembro de 2010

TÁ NA HORA DA JANTA

Achei bem interessante o texto do Luiz A. Simas que um amigo enviou.

Há um tempo li um artigo, que infelizmente não lembro o nome do autor, falando sobre um livro de Norbert Elias, “O Processo Civilizador”, onde ele aborda a influência da etiqueta na formação das ideologias e submissão dos indivíduos.
Como fatos tão corriqueiros nos passam depercebidos, sem vermos o que há por trás.
Para ter "etiqueta" é necessário pertencer a um grupo que a tem.
Ou ter "berço" ou conseguir suficiente sucesso (sucesso como definido pelo grupo) para entrar no "Bon chic bon genre".
Uma pessoa que não é deste clube, e chega por cima, como chefe de todos os chefes incomenda dramaticamente.
"...o batuque da senzala que abafa o bafafá da casa grande; é canto de
torcida que invade os nobres balcões dos teatros...”
É demais!
Não é difícl imaginar como se sente uma elite que tão bem manobra talheres e copos, tendo um presidente que carrega caixa de ceveja na cabeça, e quão terrível é ver este presidente governar melhor que os anteriores, nascidos na casa grande, e como se não bastasse fazer mais sucesso de Tókio a Washington (via Londres e Paris, claro) que os ditos outros.
Não há dúvida, Lula mostrou para todos no país: A Senzala e a Taba podem governar sim.
Eles fiquem com seus talheres e copos. Porque a mesa é nossa mesmo!!!!!!!!!!!!!

Vamos ao texto


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TÁ NA HORA DA JANTA

O Brasil compreende e aceita Lula - e dá ao presidente inédita popularidade entre os homens do poder - porque Lula compreendeu e aceitou o Brasil. É simples assim.

Certos segmentos da elite e da grande imprensa, que tentam desqualificar Lula e seu eleitorado, agem como as madames quatrocentonas paulistas que oferecem banquetes para duzentos talheres em suas mansões. Cheias de si, conhecedoras das regras de etiqueta dos grandes ágapes, as madames se horrorizam quando alguém esculhamba o ritual, inverte pratos e facas, altera a ordem dos copos e desarticula as pompas e circunstâncias da festa.

Toda liturgia pressupõe um jogo de poder. A imposição de regras de etiqueta serviu, ao longo da história, para delimitar terrenos, marcar territórios e colocar cada qual em seu devido lugar. Quem não respeita a liturgia, a regra, os chamados bons modos, não merece freqüentar o clube dos bem nascidos e a mesa dos poderosos.

Desta forma o discurso da etiqueta serve, não raro, para segregar, erguer paredões, consolidar posições e inibir mudanças. Assim acontece - e de forma exacerbada - na esfera da política, reino repleto de todos os salamaleques cerimoniais que caracterizam as sociedades hierarquizadas.

O recado da liturgia é claro: os que não conhecem o cerimonial e não sabem se comportar não merecem freqüentar a fidalguia dos salões. Somos, afinal de contas, o país que reproduziu trezentos anos de casa grande e senzala na arquitetura dos apartamentos com dependências de empregadas, os chamados quartinhos de fundos.

O que certa elite não perdoa em Lula é exatamente a dimensão simbólica de sua presidência - aquela que subverte a liturgia e, desta maneira, quebra a lógica de segregação que o exercício do cargo de mando geralmente impõe.

Lula é o batuque da senzala que abafa o bafafá da casa grande; é canto de torcida que invade os nobres balcões dos teatros de ópera; é a empregada doméstica que rasga o uniforme branco - em alvo contraste com o corpo preto - que escancara visualmente sua função de mucama da sinhá. Lula é, enfim, o homem comum que botou a faixa e subiu a rampa - território outrora destinado aos generais com seus galardões e aos bem nascidos príncipes das sociologias.

A imagem mais emblemática desse simbolismo foi a de Lula carregando um isopor cheio de cervejas em um dia de praia. Os jornalões estamparam nas primeiras páginas, com manchetes e charges que travestiam em humor o preconceito e o espanto, a figura do presidente da República agindo como homem comum. Não se espantariam, todavia, se um empregado carregasse a bebida do presidente, feito o negro de ganho que em antanhos carregava os pesos e pertences do senhor.

Os homens miúdos são necessários para preparar o jantar, arrumar talheres, manobrar os carros, limpar os banheiros, tirar a poeira e varrer os cômodos das mansões. Chegam até mesmo a receber algumas gentilezas que mascaram a indiferença cordial dos poderosos. Que os miúdos fiquem longe, porém, do banquete de não sei quantos copos, garfos e facas de prata.

Os doutos poderosos não entendem Lula simplesmente porque nunca carregaram o isopor e ainda se esqueceram, trancafiados em decadentes palacetes, de olhar o céu e constatar que anoiteceu no Brasil (e como está bonita essa noite clara, de lua cheia e gente na rua).

Tá na hora da janta, a fome é muita e a mesa é nossa.



Por Luiz Antônio Simas

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